domingo, 30 de novembro de 2008

Kanye West, dor ao invés de brilho

“Será que você tem a força”, Kanye se pergunta em "Pinocchio Story (Freestyle Live From Singapore)”, a bizarra faixa escondida em seu quarto álbum, 808s & Heartbreak, “para tolerar todo mundo que te vê chorando dizer: ‘Você precisa rir! Você precisa rir!”.
Mas será que ele não precisa mesmo? West é loquaz, impertinente, extravagante, guerreiro, provocativo, ganancioso e carente. Mas, ele também é engraçado – qualidade pela qual ele é raramente creditado, devido ao seu profundo senso de subvenção.
Em álbuns anteriores, ele hilariamente se criticou por sua fraqueza de estilo e seu narcisismo. O rapper raramente mira seu punhal contra os outros; o espelho mostra coisas suficientes para serem criticadas. Na faixa “Breathe In, Breathe Out”, de seu álbum de estréia de 2004, The College Dropout, ele resume em uma única piada sarcástica a luta essencial que definiu sua carreira: “Eu sempre disse que se eu fizesse rap, seria sobre algo significativo/ Mas, mais uma vez, estou fazendo rap sobre dinheiro, prostitutas e rodas”.
Mínimo e funcional
Resultado de um ano tumultuado em sua vida pessoal, o 808s & Heartbreak se resume em catarse – nenhum comentário, constrangimento ou preocupação; apenas sentimento. Em "Pinocchio Story", ele continua seu lamento:
Nada da Gucci que eu compreNada da Louis Vuitton que eu useNada da YSL que esteja à vendaPode tirar meu coração deste infernoE minha mente desta prisão
Em qualquer um de seus primeiros álbuns, ele teria rapidamente arruinado este sentimento – é claro que um ataque consumista o teria reanimado – porém, neste álbum, a franqueza é o objetivo. Sendo assim, à medida que ele desmonta sua estrutura narrativa, ele também torna suas produções mais básicas, trocando o rap bombástico por canto vulnerável.
808 & Heartbreak não parece com nenhum de seus álbuns anteriores, nem mesmo com qualquer outro CD de rap conhecido – “mínimo, porém funcional” é como ele o descreve para a MTV. Na melhor das hipóteses, é um esboço aproximado de um grande álbum, com idéias que ele teria tipicamente interpretado com complexidade, aqui destiladas em poucas palavras, algumas notas de sintetizador e uma batida ruim. Na pior das hipóteses, o álbum é malfeito e pobre, um lembrete de que toda aquela ornamentação serviu para alguma coisa.
West teria sido perdoado se tirasse uma folga depois do lançamento de seu terceiro álbum, Graduation, no ano passado. Sua mãe, Donda West, morreu em novembro após complicações provenientes de uma cirurgia plástica. Em abril, West se separou de sua noiva, Alexis Phifer. Entretanto, apesar das mudanças drásticas em sua vida, ele foi persistente e continuou gravando.
Relações despedaçadas
Algumas das novas gravações lembram seu antigo som exagerado. Nas faixas “Love Lockdown” e “Coldest Winter”, percussões barulhentas se juntam ao som electro, enquanto “Bad News” traz um dos melhores arranjos de baixo já feitos por West. “Amazing”, um trabalho em conjunto com Young Jeezy, parece ter sido gravada dentro de um relógio antigo: uma coleção de partes musicais entrelaçadas com precisão. West citou Gary Numan, o pioneiro do electro-pop, e TJ Swan, que emprestou sua voz nasal para diversos refrões exuberantes do rap da década de 80 em Queens, como referências vocais para este álbum - embora escutar West tentando interpretar estas canções é bem estranho.
Entretanto, o novo álbum nem é tão peculiar assim: ele faz lembrar o New Edition em início de carreira. E, principalmente em “Paranoid”, ele tem também um tem um pouco do R&B frio e levemente irregular que os produtores Neptunes estavam fazendo cerca de quatro ou cinco anos atrás para Kelis e Omarion, dentre outros. O electro synth tinha toques da força do funk. Porém, West faz uso do electro para sua dispersão, assim ele provavelmente age de maneira exagerada sem ser contestado (o número 808 se refere à bateria Roland TR-808).
Fazer alarde da própria dor também requer certa arrogância, por isso não causa nenhuma surpresa o fato de West fazê-lo com tanta naturalidade. Todas as canções do álbum são repletas de angústia e as letras, sobre os fragmentos de relações despedaçadas, apesar de geralmente escritas fastidiosamente, podem estar imbuídas de um remorso recente.
“Sei de algumas coisas que você não me contou” ele canta na faixa Heartless. “Fiz algumas coisas, mas não sou mais assim”.
Sessão de desabafo
E não são apenas as canções que são diretas; muita coisa em relação ao lançamento deste álbum parece não ter filtros. Ele também titubeou no auto-controle: o rapper foi detido duas vezes nos últimos meses por envolvimento em confusões com paparazzi, mas foi liberado sem ser indiciado por nenhum dos dois incidentes.
Para West, que sempre policiou sua imagem intensamente, estas rupturas são chocantes. Mas, elas parecem insignificantes diante de grande parte do novo CD, que tem o imediatismo, a informalidade excessiva e incongruência de uma sessão de desabafo postada no YouTube.
Durante anos West defendeu a idéia de que ele fosse um produtor tentando fazer rap. Agora ele é um pobre coitado mais uma vez, um rapper que quer cantar.
Mas, no momento, West não consegue cantar, e é acima de tudo por esta fraqueza que este álbum será lembrado, apesar de conter algumas canções consistentes. Para ele, usar o Auto-Tune, o software de correção de afinação com efeito vocal robótico, é uma verdadeira muleta. O software foi popularizado por T-Pain, que na verdade consegue manter a afinação, tornando o efeito muito mais uma nuance do que a música em si.
Até o rapper 50 Cent, visionário no quesito desenvolvimento de marca, que foi superado por West em recorde de vendas no ano passado, criticou o novo álbum de West, dizendo na MTV: “Acho que o publico não irá perdoá-lo por isso”. Ele adicionou: “Acho que o álbum dele é uma gravação de T-Pain, mas eu preferiria comprá-lo do próprio T-Pain”. Entretanto, o rapper concorrente está enganado em relação a pelo menos uma coisa: os fãs de West não são fiéis à forma, eles são fiéis a West.
Porém, West está testando este comprometimento. Apesar de toda a sua auto-análise, ele nunca exigiu um investimento emocional verdadeiro. Em essência, gostar de sua música significa assistir alguém colocando uma lente sobre si mesmo. A maneira como ele filtra acaba sendo muito mais atrativa do que a maneira como ele se sente.
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