terça-feira, 22 de julho de 2008

Livro estuda cena heavy metal dos países islâmicos como fuga à opressão

Um professor de história do Oriente Médio entra em um bar em Fez, no Marrocos – desde o início, o livro de Mark LeVine intitulado "O Islã Heavy Metal: Rock, Resistência e Luta pela Alma do Islã" (ainda sem tradução para o português), não é mais um daqueles típicos trabalhos acadêmicos arrastados (já mencionei que ele também é um guitarrista judeu cabeludo cuja biografia inclui trabalhos com Mick Jagger e Dr. John?). Então, quando alguém naquele bar de hotel começa a contar vantagem sobre a cena heavy metal e punk local, um LeVine incrédulo se vê fisgado pelo assunto. “Mas existem punks muçulmanos? E no Marrocos?”. E, mais rápido do que você possa assoviar a canção “Rock the Casbah”, ele já pegou o rastro dos movimentos musicais underground com influência ocidental que vêm florescendo sob regimes autoritários no Oriente Médio e no norte da África.
Quando ia se encontrar com o músico Marz, membro da banda do Cairo Hate of Suffocation que toca guitarra de sete cordas, LeVine confessou, encabulado, “ainda não consigo diferenciar tantos estilos de rock, como death, doom, black, melódico, sinfônico, grind-core, hard-core, thrash e mais meia dúzia de outros” (Marz explicou que o que seu grupo toca um cruzamento de black metal e death). Apesar dos dogmas que são peculiares ao território – aqui qualquer combinação de “neo-liberal” e “globalização” é um epíteto tão ameaçador quanto “War Pigs”, do Black Sabbath – o livro “Heavy Metal Islam” oferece os prazeres negligentes e casuais de uma animada viagem de carro. Praticando uma diplomacia de ponte aérea em primeira pessoa enquanto se desloca entre países e culturas, entre músicos e ativistas islâmicos, LeVine consegue tirar da mala um número suficiente de incongruências transculturais para realizar sua própria sequência de mosh pit para “You Don't Mess With the Zohan”.
Um cabeleireiro ex-agente da Mossad é um pouco mais fora dos padrões do que “riot girls” marroquinas descabeladas, metaleiros egípcios virtuosos, “muhajababes” libanesas (moças que usam véu cobrindo a cabeça, uniforme de guerra, camiseta preta justa e munhequeira do Hezbollah), MCs palestinos com influência Tupac, a banda metal death doom de Israel chamada Orphaned Land ou extasiados seguidores de Iron Maiden iranianos. LeVine é uma pessoa participante e ativa, que não somente se encontra com metaleiros muçulmanos, mas também se junta a eles para tocar em apartamentos, estúdios e festivais ao ar livre, aceitando a comida, o barulho e as pessoas como se tudo fosse parte de um festival de rock metal itinerante.
Abraçando avidamente as possibilidades de romper os estereótipos de um “jovem de 18 anos de Casablanca com o cabelo espetado, ou de uma jovem de 20 anos de Dubai usando maquiagem gótica”, LeVine gostaria que os víssemos como rostos de um mundo muçulmano emergente, um lugar muito menos monocromático do que aquele representado na TV pelas costumeiras brigadas “Death to America”. O livro “Heavy Metal Islam” muda completamente a noção de diferenças irreconciliáveis entre o Islã e o ocidente, apelando para a universalidade da cultura jovem como “um modelo de comunicação e cooperação” na era da internet. Para LeVine, o apreço por Metallica ou Slayer proporciona uma língua franca que desconhece fronteiras, abrindo espaços em sociedades enclausuradas, enfraquecendo gradativamente sistemas rígidos de valores – um tipo benigno de globalização, que ocorre de baixo para cima, contrastando com aquele financiado pelo estado ou de caráter corporativo sem escrúpulos.
É aquele idealismo do rock dos velhos tempos, de John Lennon e Bono Vox, reimaginado para um mundo pós Cannibal Corpse, e isso é uma vitória independente. Em terras onde tocar música “satânica” ou mesmo freqüentar concertos semi-clandestinos pode levar qualquer um à prisão (sob acusação de coisas do tipo “balançar as fundações do Islã”), há algo verdadeiramente encorajador em relação às garotas marroquinas da banda thrash Mystik Moods lutando para romper tabus sexistas seculares, ou o grupo Hate Suffocation tentando criar um nicho para tocar sua música e “ser deixado em paz, tanto pelo governo quanto pela sociedade”. No Irã teocrata, quando o líder do Arthimoth usa uma camiseta com os dizeres “Seu Deus Está Morto”, ele coloca seu destino muito mais em risco do que de ganhar uma suspensão do colégio ou de despertar olhares sórdidos no shopping center.
“Heavy Metal Islam” acaba caindo na armadilha de suas boas intenções toda vez que tenta colocar com esforço a intransigência dos headbangers em lacunas políticas preconcebidas. O rock metal, não importa como seja analisado, chega ao extremo da distopia: abarcando de maneira extremamente agressiva o instinto de morte, o caos controlado, o delírio da morbidez-fetiche. Pode chamá-lo de catártico, ou mesmo como um modo de manter a sanidade de um mundo insano (como um artista daqui diz: “tocamos heavy metal porque nossas vidas são heavy metal”), mas não o confunda com a canção ativista “If I Had a Hammer” (que pode ser traduzida como “Se eu tivesse um martelo”). A menos que seja um martelo dos deuses niilistas apontado para sua testa – não para discutir veementemente a justiça, uma advertência, ou mesmo “a luta comum pela democracia e pela igualdade econômica”, mas para fazer um talho em seu crânio, arrancar seu cérebro pulverizado e oferecê-lo como comida aos ursos.
Embora essas bandas anti-sociais não queiram fazer a linha dura como a mística “Justice and Spirituality Association” do Marrocos, ou a fantasmagórica “Muslim Brotherhood” do Egito (e o desdém é geralmente mútuo), LeVine acredita que se todos pudessem deixar de lado suas diferenças mesquinhas e trabalhassem em conjunto, isto poderia dar início a um efeito dominó no Oriente Médio como aquele que derrubou o bloco do Leste (ele é como o personagem bonzinho das estórias em quadrinhos, que invariavelmente olharia a cena de Armageddon ao seu redor e diria com um suspiro: “Se ao menos pudéssemos ter aproveitado a energia mutante deles para o bem”). A conclusão deste livro bastante informativo e valioso, e também um tanto louco, se desdobra em duas partes: este antiimperialismo consciente escreveu um enorme tratado em favor do imperialismo cultural em grande escala – um Plano Marshall amplificado – e o programa de LeVine é sem dúvida o primeiro a registrar o death metal como a ponta de lança de um novo Peace Corps.
(Howard Hampton é o autor de "Born in Flames: Termite Dreams, Dialectical Fairy Tales, and Pop Apocalypses", ainda sem tradução para o português)
"Heavy Metal Islam: Rock, Resistance, and the Struggle for the Soul of Islam”, de Mark LeVine. Three Rivers Press, ainda não disponível no Brasil.
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